Esquizofrenia Paranóide
Certa vez fui chamado a atender um paciente em sua residência.
Sua mãe já havia tentado diversos modos de conseguir tratamento
para seu filho, todos sem sucesso. Ao chegar à casa do indivíduo
(ainda não o chamava de paciente, pois ainda não o conhecia,
senão pelo relato de terceiros) observei que toda a casa se
encontrava fechada, tudo trancado e o homem não atendia a porta
por nada. Presentes eu, sua mãe e familiares, tentamos, em vão,
que o rapaz abrisse a porta. E mesmo a despeito de todos os
esforços de sua mãe, ninguém conseguiu entrar (o indivíduo era
maior de idade).
Passada uma semana, a pedido dos familiares, retornei à
residência do rapaz, na presença de seus familiares e,
finalmente, ele concordou em me receber. Abriu-me a porta e logo
a seguir correu e se trancou num quarto da casa.
Logo ao entrar em sua casa, duas coisas, imediatamente, me
chamaram a atenção. Primeiro: havia comida esparramada pela
cozinha e parte dela em decomposição. Segundo: um rádio todo
quebrado e cercado de diversas ferramentas.
Não foi nada fácil conseguir que o rapaz abrisse a porta do
quarto onde estava, mesmo na presença de sua própria mãe.
Passado algum tempo, ele finalmente aceitou conversar comigo.
Seu olhar era hipervigilante, sua atitude inquieta, barba por
fazer, desleixo evidente com os cuidados pessoais e uma atitude
mesclada de suspeição e de grande desconfiança.
Após ter me apresentado, indaguei se ele necessitava de algo, se
estava se sentindo bem, enfim, se eu lhe poderia ser útil em
alguma coisa.
Sempre com ares de desconfiança, apresentou-me um discurso
confuso, carente de coerência, todavia com ênfase de relatos.
Perguntei se estava com fome e indaguei sobre a comida
esparramada por toda a cozinha, sacos de comida abertos, outros
fechados, alimentos em decomposição. Seu relato foi mais ou
menos o seguinte:
“Não posso me alimentar bem. Nem que eu queira. Não posso sair e
ir ao mercado pra comprar nada porque a polícia e os bandidos
estão me perseguindo. Eu sei de tudo. Estão em combinação contra
mim. Eles querem me matar!”
Então eu perguntei por que não podia ir ao mercado.
“Eles estão me perseguindo. Eles sabem a hora em que eu vou ao
mercado e já sabem qual o saco de feijão que eu vou pegar na
prateleira. Se eu for, antes que eu pegue o saco de feijão, eles
pegam o saco que eu ia escolher e enchem o saco de veneno. A
polícia e os bandidos. Eles já sabem. Não posso comprar nada no
mercado, senão morro envenenado.”
Em seguida, indaguei sobre o rádio quebrado e sobre as
ferramentas à volta do rádio.
“Eu fui no hospital e o médico me disse que eu precisava de uma
lavagem de ouvido. Quando ele foi lavar meu ouvido, usou uma
seringa grande e colocou um chip dentro do meu ouvido. O chip
escorregou do ouvido e foi pro meu nariz e está preso aqui
dentro. E se eu ligar o rádio, eu sei que tem uma estação que
sintoniza com o chip e transmite tudo o que eu estou pensando
para todo mundo que estiver escutando a rádio. Não são todas as
rádios que sintonizam com o chip que está no meu nariz, mas é
uma rádio que eu conheço. Tenho que consertar isso.”
E isso explicava o rádio quebrado e as ferramentas à sua volta.
Este paciente também, em diversas noites, ao sair para a frente
de sua casa pensava que os reflexos dos carros nos vidros das
janelas vizinhas eram luzes de sirenes de carros de polícia que
estavam vindo para lhe prender.
Bastou que este paciente iniciasse o uso da medicação prescrita
e já evidenciava uma significativa melhora.
Este foi um dos diversos casos clássicos de Esquizofrenia
Paranóide que atendi.
Definição de Esquizofrenia Paranóide pela Classificação
Internacional de Doenças - CID
“A esquizofrenia paranóide se caracteriza essencialmente pela
presença de idéias delirantes relativamente estáveis,
freqüentemente de perseguição, em geral acompanhadas de
alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das
percepções. As perturbações do afeto, da vontade, da linguagem e
os sintomas catatônicos, estão ausentes, ou são relativamente
discretos.” (Classificação Internacional de Doenças - CID 10)
Dr Eduardo Adnet
Médico Psiquiatra e Nutrólogo